Via Rosângela Cunha
Apontado como líder do ataque hacker contra autoridades, Walter Delgatti Neto, que confessou ter invadido contas de Telegram de pessoas públicas, acumula em seus 30 anos de vida uma extensa lista de inquéritos e processos judiciais.
Antes de voltar à prisão, na última terça-feira (23), sua ficha de antecedentes criminais mostrava ao menos 20 casos em que ele era investigado ou acusado da prática de crimes. Entre as vítimas, bancos, mulheres, homens, uma adolescente, advogados, empresários e shoppings.
Em vários dos procedimentos abertos, ele aparece implicado em um famoso artigo do código penal: o 171, de estelionato —“obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”.
Quase todas as investigações e processos são sobre algum tipo de golpe: usar identidade de terceiros, falsificar documentos públicos ou particulares, usar papéis falsificados.
De acordo com pessoas próximas e com processos públicos, esconder seus crimes nunca foi sua principal preocupação, tendo deixado rastros óbvios em algumas das suas ações, algumas delas cinematográficas.
Em um dos processos na Justiça, relata-se um caso em que Delgatti alugou um apartamento para hospedagem, de forma temporária, utilizando o nome de uma outra pessoa, em Moema, bairro nobre da capital paulista.
Em poucos dias que estava no local, chamou um caminhão de mudança. Geladeira, sofá, ar-condicionado, mesas, cadeiras e uma televisão de 50 polegadas estavam sendo colocados na carreta, quando a gerente do condomínio estranhou e chamou a polícia.
O suposto impostor fugiu quando os agentes chegaram, mas deixou no apartamento seus documentos verdadeiros, o que permitiu ser identificado.
Em outro episódio, Delgatti fez compras em lojas de colchões, em farmácias e outros lugares com um cartão furtado.
Câmeras dos estabelecimentos e funcionários reconheceram o suspeito, que foi pessoalmente escolher os produtos.
Bom papo, cara de pau, carismático e enrolador foram algumas das descrições dadas por quem conviveu com Delgatti em algum momento.
Não à toa, também preso na operação da semana passada, Gustavo Henrique Elias Santos disse em depoimento que, em fevereiro, quando foi hackeado, desconfiou na mesma hora do amigo. Não por saber que ele estava metido com invasões virtuais, mas por achar que seria alguém com “audácia” para o feito.
Delgatti tem sido chamado internamente por investigadores da PF de um grande “contador de histórias”, característica considerada típica de estelionatários.
Quando foi detido pela Polícia Federal, Delgatti era considerado foragido —a Justiça havia emitido um mandado de prisão em um processo em que foi condenado por infringir a Lei das Drogas, no artigo que prevê de 5 a 15 anos de prisão por adquirir, vender, guardar ou fornecer drogas sem autorização ou em desacordo com a legislação, além de ter falsificado documento público.
Em diversos ofícios emitidos pela Justiça, inclusive nesse mandado de prisão, ele aparece como não localizado, “estando o mesmo em lugar incerto e não sabido”.
Delgatti cresceu em Araraquara (a 273 km de São Paulo) com a avó, sem convívio com a mãe, segundo contaram, reservadamente, pessoas que o conhecem. Ele não tinha emprego formal nem atividade estável.
Gostava de se vangloriar de suas supostas conexões na cidade. No passado, já fingiu ser aluno de medicina da USP —o que lhe rendeu uma investigação por uso de documento falso— e andava com um extrato bancário de uma conta milionária —que também era falso.
Uma pessoa conhecida o compara ao protagonista do filme “VIPs”, inspirado na história de um dos golpistas mais conhecidos do país, Marcelo Nascimento da Rocha, vivido no cinema pelo ator Wagner Moura.
O golpista do filme se notabilizou em 2001 ao conceder entrevista ao programa de Amaury Jr., na Bandeirantes, passando-se por Henrique Constantino, filho do fundador da Gol.
Já Delgatti chegou a ser preso durante uma viagem ao Beto CarreroWorld, no município de Penha (SC), em maio de 2015, por ter tentado se passar por delegado da Polícia Civil de São Paulo. A suspeita era de falsidade ideológica.
Na ocasião, ele viajava junto com o amigo Elias Santos e a companheira dele, Suelen de Oliveira, também presos pela PF na última terça-feira. No carro deles a polícia catarinense encontrou uma arma que levou Elias Santos a ser detido por porte ilegal.
O episódio foi lembrado por Suelen em seu depoimento à PF na semana passada. Foi nessa viagem a Santa Catarina que ela disse ter conhecido Delgatti.
Na mesma época, em 2015, o rapaz tinha uma arma de ar comprimido, do tipo “air soft”, que parecia de verdade. Gostava de exibi-la, segundo ele, por temer ser alvo de ladrões. Possuía dois carros, um BMW e um utilitário Hyundai Santa Fe, avariados em acidentes de trânsito, mas que, para Delgatti, poderiam atrair a atenção de bandidos.
Naquele ano, ele foi alvo de um mandado de busca e apreensão em sua casa, depois que uma garota de 17 anos, então namorada de seu irmão, o acusou de estupro —ela acabou refazendo seu primeiro depoimento.
A delegada de polícia encarregada de cumprir o mandado, Meirilene de Castro Rodrigues, escreveu em relatório que Delgatti teve uma postura desafiadora ao receber os policiais em seu apartamento em Araraquara. “O investigado Walter calmamente informou que já havia visto o mandado [de busca e apreensão], dizendo ainda, sarcasticamente: ‘Eu estava esperando por vocês’”.
Quando indagado sobre como sabia do mandado, segundo o relatório da delegada, Delgatti respondeu que era “uma pessoa influente” e que havia recebido o mandado escaneado em seu notebook dois dias antes.
Para demonstrar que teve acesso ao mandado, Delgatti apresentou um outro mandado, expedido contra seu irmão, Wisllen, “e mostrou tal documento na tela do seu notebook”.
A delegada procurava no apartamento a arma que teria sido usada no estupro contra a menor de idade. Delgatti disse, então, que tinha uma arma de ar e a usava na cintura porque temia um assalto.
Conforme o relatório da delegada, o suspeito lhe disse que trabalhava como investidor “e que tem uma conta em um banco da Suíça, motivo pelo qual ele faz várias viagens por ano, para aquele país e para a Europa por causa da movimentação dessa conta”.
FOLHAPRESS
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