sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Americanas: “fraude monstruosa”, diz presidente de associação de investidores

Via Jornal Folha Regional

Aurélio Valporto, da Abradin, diz que homens mais ricos do Brasil devem ser investigados por crise na gigante do varejo.

A gigante do varejo Americanas entrou em recuperação judicial depois de detectar uma falha de R$ 20 bilhões em sua contabilidade. Para o presidente da Associação Brasileira dos Investidores (Abradin), o economista Aurélio Valporto, o erro, na verdade, é uma fraude.

Em entrevista ao Brasil de Fato, ele afirmou não ter dúvida de uma irregularidade intencional. Explicou que ela ocorreu para minimizar dívidas reais da companhia, aumentar seu lucro artificialmente e distribuir boa parte deles aos seus principais investidores: Jorge Paulo Lemann, o mais rico do país; Marcel Telles, o terceiro; e Beto Sicupira, o quarto.

Para Valporto, os três bilionários precisam ser investigados. Primeiro porque foram os principais beneficiados pela fraude. Depois, porque têm um histórico de práticas controversas no mercado.

Valporto reconheceu, entretanto, que a chance de punição a quem comete esses crimes no Brasil é pequena. Disse também que fraudes como essa atrapalham o desenvolvimento do país.

“Elimina toda a credibilidade do ambiente financeiro”, afirmou. “A bolsa do Brasil virou jogatina, virou o cassino que não existe aqui.”

Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

Brasil de Fato: O que ocorreu nas Americanas?

Aurélio Valporto: Está claro que foi uma fraude. Eu posso afirmar, com toda a certeza, porque o que houve foi uma falha contábil para aumentar o resultado [o lucro] da empresa. O que era um passivo [obrigação] acabava sendo apropriado pelas contas de resultado, o que gerava um lucro que não existia. Isso era distribuído como prêmios e dividendos, algo que é absolutamente irregular. Uma fraude monstruosa.

Como esse balanço foi fraudado?

Os detalhes disso têm que ser investigados. Mas havia uma dívida da empresa que não constava na parte dos passivos em seu balanço. Agora, é preciso uma perícia forense, nova auditoria, para esclarecer os detalhes dessa manobra. São coisas que ainda estão muito nebulosas.

Logo após anunciar esse “erro” em seu balanço, a Americanas entrou em recuperação judicial. Uma coisa tem a ver com a outra?

A falha ficou exposta. Cláusulas de empréstimos tomados com bancos exigiam transparência contábil da empresa. Quando foi descoberta a fraude contábil, os credores exigiram pagamentos imediatos. A Americanas não tinha como pagar. Pediu recuperação judicial.

Isso pode ter sido uma manobra?

A recuperação judicial é um instrumento jurídico que tem, por fim, reorganizar as dívidas da empresa para que ela possa continuar existindo. Agora, ela também é muito usada no Brasil como uma oficialização do calote aos credores. No caso das Americanas, é uma situação diferente porque os credores também são muito grandes: BTG, Bradesco, etc. Isso criou uma batalha de gigantes.

Qual a responsabilidade dos sócios da Americanas sobre isso?

Essa vai ser uma das investigações a serem feitas. Eles alegam que não tinham conhecimento. É difícil de acreditar. Beto Sicupira, sócio de Lemann, era o homem à frente das Americanas. É muito difícil crer que ele, de fato, não sabia do que estava sendo feito. Principalmente porque temos antecedentes na Kraft Heinz, lá nos Estados Unidos, que acabou pagando uma multa bem grande. Também tem o caso da ALL Logística, que também apresentou inconsistências contábeis. É difícil acreditar que eles não tinham conhecimento do que estava sendo feito ali, especialmente porque eram os que mais recebiam dividendos da empresa.

Quem deveria ter descoberto isso antes e anunciado o tal “erro”?

A primeira linha de defesa vem dentro da própria empresa. Ela é uma empresa de capital aberto, listada no chamado Novo Mercado da B3 [Bolsa de Valores de São Paulo], que exige regras altas de governança. Mas a verdade é que é comum que empresas do Novo Mercado ocultarem golpes que estão dando em credores e investidores. Foi assim no IRB, com a JBS, com a OGX e outras empresas do Eike Batista. A B3 tem um regulamento. Deveria fiscalizar, mas não pune ninguém.

Só a empresa e B3 deveriam fiscalizar?

Também o comitê de auditoria das próprias empresas. No caso das Americanas, ele tem que ser profundamente investigado. Existe ainda o conselho fiscal das próprias empresas. Também há a CVM [Comissão de Valores Mobiliários, órgão público que regula o mercado de capitais]. Agora, a CVM não tem como investigar previamente. Ela, inclusive, tinha chamado atenção dos auditores da Americanas para que ficassem atentos às práticas contábeis. Então acho que a CVM não falhou.

Existe punição para esses casos?

Esse é um dos grandes problemas do mercado. A defesa dos pequenos investidores e dos pequenos credores é muito difícil. No caso de Eike Batista, nós conseguimos condená-lo a cerca de 30 anos de prisão por crimes contra o mercado de capitais. Mas isso está em fase de recursos. No caso do ressarcimento dos investidores, isso está parado desde 2014. Não foi julgado. Falta seriedade e também conhecimento do Judiciário para entender a mecânica dos crimes, que têm alto impacto sobre a economia real. A sociedade é quem mais sofre com isso, não só os acionistas ou credores. Há gente que nunca ouviu falar de bolsa de valores e vai sofrer as consequências pois isso impacta numa cadeia de investimentos.

Como impacta nessa cadeia?

Primeiro lugar, elimina toda a credibilidade do ambiente financeiro do país. A função precípua do mercado de capitais é atrair investidores para que esses apliquem diretamente no capital das empresas, se tornem sócios delas. Você transforma o poupador diretamente em investidor. Em vez de pegar dinheiro no banco, a empresa vende uma ação para desenvolver seu negócio. Mas aí tem outro problema no Brasil. Há influenciadores digitais dizendo “compra isso, vende aquilo”. A bolsa do Brasil virou jogatina, virou o cassino que não existe aqui.

Falando sobre credibilidade, logo que o “erro” das Americanas foi revelado, a Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil) declarou que algo semelhante acontece na Ambev, outra empresa controlada por Lemann e seus sócios. O que acha disso?

Pois é. Acho que foi precipitado, mas é opinião minha.

Lemann e seus sócios têm uma participação relevante na Eletrobras, que foi privatizada. Isso é um risco para a empresa e para o país?

É uma preocupação grande. O que eles querem é simplesmente ganhar dinheiro. Mas a Eletrobras é estratégica economicamente, como é a Petrobras. É complicado ter uma administração que preza apenas pelo lucro, principalmente quando se fala de energia. O preço da energia sobe e prejudica todo o restante da economia.

Edição: Thalita Pires

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